Por David Ágape
Durante as enchentes que
ocorreram no Rio Grande do Sul no mês de maio, que vitimaram centenas de
gaúchos e deixaram milhares desabrigados, o governo do presidente Lula
novamente colocou em funcionamento sua máquina de perseguição e censura para
calar aqueles que criticavam a reação estatal durante a tragédia. Em vez de
focar nos esforços de resgate e reconstrução, o governo Lula se concentrou em
implementar a censura.
No último ano, durante os
temporais que castigaram os gaúchos, denunciamos em A Investigação que os
petistas utilizaram robôs, militantes virtuais e o Ministério da Verdade
instalado na Advocacia-Geral da União (AGU) para atacar críticos. Dessa vez, a
iniciativa foi liderada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República (Secom).
Em publicação no site
oficial da pasta, o então ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta, enfatizou a
necessidade de combater a circulação de informações falsas que, segundo o
governo, prejudicaram as operações de socorro e reconstrução no Rio Grande do
Sul. Paulo Pimenta afirmou que a campanha "Seja um voluntário digital da
informação" visava “criar uma rede de voluntários em todo o país para
identificar e denunciar conteúdos falsos”.
A ação não foi bem
recebida e logo Lula foi acusado de criar, em seu governo, uma “Stasi”, infame
organização de polícia secreta da Alemanha comunista que espionava e vigiava a
população. Dias depois, a publicação da Secom foi retirada do ar (mas pode ser
conferida aqui). O motivo para a “queima de arquivo” não poderia ser mais
surpreendente: os grupos de WhatsApp envolvidos são diretamente ligados ao
Partido dos Trabalhadores (PT), não sendo apartidários como poderia se supor.
Os grupos de caça às “fake
news” são mais um braço do Gabinete do Amor. Além de atacar os opositores e
defender o governo, os grupos fazem denúncias coordenadas em massa para calar
seus adversários políticos. Para piorar a situação, Paulo Pimenta foi nomeado
pelo presidente Lula para assumir a recém-criada Secretaria Extraordinária de
Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. Esta indicação tem sido alvo de
inúmeras críticas, inclusive do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite
(PSDB), que acredita que a iniciativa é uma tentativa de criar um “governo
paralelo” no Estado.
No X (ex-Twitter) apontei
o contrassenso desta indicação, considerando que Pimenta nem mesmo consegue
organizar suas finanças pessoais: Entre 2008 e 2022, o patrimônio de Pimenta
sofreu uma queda de aproximadamente 76,23%, passando de cerca de R$ 810 mil
para R$ 190 mil.
Além disso, a permanência
de Pimenta é vista com desconfiança, pois ele é apontado como pré-candidato ao
governo gaúcho em 2026, podendo politizar as ações emergenciais e de
reconstrução.
No dia 14 de maio, a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados analisou oito
requerimentos para convocar Paulo Pimenta e o ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, a prestarem esclarecimentos sobre as ações contra fake news relacionadas
às enchentes. Foi questionada a legitimidade das medidas e o governo está sendo
acusado de censurar redes sociais e perseguir opositores.
O funcionamento dos grupos
Os grupos autodenominados
"Caçadores de Fake News" foram iniciados ainda durante as últimas
eleições, entre julho e outubro de 2022, e foram divulgados no site oficial de
Lula. Além destes, existem os grupos regionais, os grupos para mulheres e os
grupos do “LulaVerso”, este último focado na distribuição de memes e figurinhas
pró-Lula. Em uma das publicações, Janja envia um convite para que as pessoas
participem dos grupos femininos.
A principal administradora
dos grupos de “Caçadores de Fake News” é Clarissa Berry Veiga, jornalista de 65
anos que já escreveu para o jornal Zero Hora. O perfil de Clarissa no X (antigo
Twitter) é recheado de publicações exaltando o governo Lula, o secretário Paulo
Pimenta, e atacando o bolsonarismo. Tudo isso escrito com caps lock e
expressões exageradas como “BOLSONARISMO MATA”, que é repetido uma dezena de
vezes na mesma publicação.
Além de Clarissa, outras
duas pessoas também administram o grupo: o primeiro, Maxwell Gonçalves Nunes,
que também administra os grupos regionais. Maxwell é proprietário da empresa
Creative Full Service, que presta serviços de consultoria ao deputado federal
Jilmar Tatto (PT-SP). Segundo dados do Portal da Transparência, desde 2023 a
Creative Full Service já recebeu R$ 15,4 mil do gabinete de Jilmar Tatto.
O terceiro administrador
se apresenta como “Rodrigo Time Lula”, mas fontes informaram que o número de
telefone utilizado para a criação desta conta no WhatsApp pertence a Paulo
Tarciso Okamotto, atual presidente do Instituto Lula e presidente da Fundação
Perseu Abramo.
Nossa equipe, que já vinha
acompanhando há meses a atuação destes grupos, constatou que o grupo de
Caçadores de Fake News é utilizado para divulgar informações oficiais do
governo Lula. Documentamos a existência de pelo menos dez grupos ativos dos
Caçadores de Fake News, mas é provável que haja muitos mais, considerando que
os nomes dos grupos seguem a sua sequência de criação e que há hoje o grupo
186. Conforme os grupos atingiam o limite máximo de integrantes permitido pelo
WhatsApp, que na época das eleições era de 256 integrantes e quadruplicou para
1.024 após o pleito, novos grupos eram criados.
As atividades nos grupos
estavam suspensas desde as eleições, mas após o rompimento das barragens no Rio
Grande do Sul, as atividades nos grupos foram retomadas. Antes, havia cerca de
três grupos ativos. Um chamamento para voluntários “caçarem fake news” no Rio
Grande do Sul resultou na reativação de grupos inativos, entre os dias 8 e 10
de maio. Em 1º de abril no “grupo 01” havia cinco administradores e 41 membros
e atualmente o grupo conta com três administradores e cerca de 800 pessoas.
No dia 4 de maio, durante
o show da Madonna, Pimenta entrou pessoalmente no grupo 186, considerado o
principal, com cerca de 300 integrantes, para solicitar que os membros
espalhassem propaganda da gestão Lula no Rio Grande do Sul. Dois dias depois,
foram criados mais oito grupos, iniciando um recrutamento de pessoas para
disseminar mensagens pró-governo. Os administradores republicam as mensagens
nos diversos grupos regionais.
A palavra de ordem destes
grupos é defender o governo de Lula e atacar os seus críticos, estratégia que
já denunciamos na reportagem sobre o “Gabinete do Amor”. As informações
compartilhadas nos grupos são rigorosamente controladas. As informações tidas
como verdadeiras pelos administradores vêm dos influenciadores petistas Lázaro
Rosa, Vinicios Betiol e Thiago dos Reis. Estes são as principais fontes de
narrativas para o grupo e tidos como os únicos confiáveis para se obter
informações.
Esses grupos operam
fechados durante a noite e em datas sensíveis para controlar rigorosamente a
disseminação de mensagens, permitindo apenas a propagação de narrativas
alinhadas com o governo. Assim, as publicações nos grupos são limitadas a
moderadores, medida que visa impedir a disseminação de mensagens não
autorizadas ou desalinhadas com a estratégia central. Em um incidente recente,
um integrante do grupo foi excluído por um administrador após publicar
informações verdadeiras que desagradam o governo Lula.
Os grupos também organizam
campanhas de denúncias em massa, visando desmonetizar e censurar perfis de
redes sociais que propagam conteúdos contrários ao governo. Essas campanhas são
realizadas de maneira coordenada, maximizando o impacto das denúncias e
garantindo a remoção rápida dos conteúdos visados.
Toda vez que uma pessoa
nova entra no grupo, os administradores republicam uma mensagem padrão que
apresenta os objetivos do grupo:
Denunciar fakes nas redes
sociais (somente postagens com links);
Compartilhar desmentidos;
Divulgar projetos e ações
do governo Lula.
Mutirões de denúncias
visando derrubar publicações em redes sociais de opositores políticos são
comuns nos grupos dos Caçadores de Fake News. Diariamente as publicações são
sinalizadas para denúncias. Em diversos casos, nem ao menos é explicado o
motivo.
Existem até mesmo
tutoriais em vídeo criados pelos administradores explicando como devem ser
realizadas as denúncias. Na maioria das vezes, perfis de direita, como o do
vereador Carlos Bolsonaro, são utilizados nestes vídeos como exemplos de perfis
a serem denunciados.
Os vídeos são criados e
distribuídos de acordo com o assunto do momento. Por exemplo, em 1º de abril,
havia um vídeo sobre denúncias de perfis de direita relacionados a vacinas. Em
20 de abril, o vídeo abordava outro tema relevante do momento, novamente
focando em perfis de direita. O terceiro vídeo foi inteiramente dedicado a
desmentir supostas informações falsas relacionadas a Carlos Bolsonaro.
Entramos em contato com os
envolvidos, mas até o momento da publicação desta reportagem não recebemos
retorno. O espaço permanecerá aberto para esclarecimentos.
Stasi à brasileira
A Alemanha comunista, sob
a influência da Stasi, a temida polícia secreta da Alemanha Oriental,
transformou-se em uma nação de espiões, onde qualquer cidadão poderia ser um
informante. Em 1989, havia aproximadamente 90 mil agentes e 175 mil informantes
para monitorar 17 milhões de habitantes, ou seja, um espião para cada 63
pessoas. Essa rede de espionagem era mais extensa que a da Gestapo nazista, com
a Stasi recrutando informantes oferecendo privilégios como promoções, viagens e
pagamentos em dinheiro.
Uma das práticas mais
perturbadoras do regime foi incentivar crianças a denunciarem seus próprios
pais, professores e colegas. Estima-se que cerca de 10 mil dos informantes da
Stasi tinham menos de 18 anos. O denuncismo levou a uma sociedade permeada pelo
medo e pela desconfiança. Muitos cidadãos descobriram que eram espionados por
amigos e familiares apenas após a abertura dos arquivos da Stasi.
No Brasil, hoje, multiplicam-se
as iniciativas para controlar os discursos que desafiam a narrativa oficial. Há
“Ministérios da Verdade” no governo Lula, no Supremo Tribunal Federal e no
Superior Tribunal Eleitoral. Sempre com a desculpa de que querem “combater a
disseminação de notícias falsas”. O que antes era ficção no livro 1984 de
George Orwell, hoje se tornou realidade.
Publicado originalmente no
site A Investigação.
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