Condenado — por enquanto —
a quase 100 anos de prisão, Sérgio Cabral aparece abaixo apenas de Marcola (340
anos) no ranking dos bandidos que têm de calcular em séculos o tempo de
permanência na cadeia. Para alcançar tal proeza, o ex-governador do Rio montou
a quadrilha mais gananciosa e abrangente da história. Durante oito anos, roubou
em parceria com secretários de Estado, deputados federais e estaduais,
senadores, empresários nacionais e estrangeiros, prefeitos, desembargadores,
conselheiros do Tribunal de Contas, desembargadores e ministros de tribunais
superiores, fora o resto.
Alianças com figurões
federais completaram a blindagem que fez de Cabral uma das mais abarrotadas
caixas pretas da criminalidade VIP. Ele arrombou todos os cofres ao alcance da
máquina administrativa fluminense. E extraiu propinas negociando extrair
merenda escolar, refinarias, quentinhas dos presídios, obras viárias, bondes de
Santa Tereza, plataformas da Petrobras — nada, rigorosamente nada escapou à
gula do delinquente que, durante um interrogatório, confessou que tinha o vício
da ladroagem.
Quem faz o que fez Cabral
tem muita história para contar — e muitos comparsas a revelar. Por isso, muita
gente estranhou as sucessivas dificuldades que retardaram o fechamento de um
acordo de delação premiada com a Lava Jato. Até que veio, recentemente, o
acerto com a Polícia Federal já homologado pelo ministro do STF Edson Fachin.
As primeiras revelações confirmaram que foi enfim aberto um baú de safadezas
que deverão iluminar catacumbas ainda indevassadas.
Ainda em seu início, o
cortejo de bandalheiras revelou de onde veio o dinheiro para a compra do sítio
em Atibaia. Nesta sexta-feira, começou a sair da caixa preta um capítulo inteiro
dedicado à rede Globo. As primeiras revelações explicam a irrelevância
atribuída pelos telejornais da empresa ao que Cabral já contara ou tem a
contar. Essa boa vontade teve um preço.
Segundo o ex-governador, o
silêncio da rede Globo custou pelo menos R$ 80 milhões, valor do acerto sem
licitação que contemplou a Fundação Roberto Marinho com a gerência de estudos,
projetos e desenvolvimento de conteúdo para a implantação de um vistoso equipamento cultural na cidade do Rio. Ainda
de acordo com Cabral, uma licitação fraudulenta permitiu à fundação indicar a
construtora responsável pela obra. Isso garantiu a proximidade do governante
delinquente com a família Marinho, informam os depoimentos à Polícia Federal.
É improvável que a
revelação consiga espaço nos telejornais da Globo. Todos estão concentrados na
coleta de números e declarações que transformam a pandemia de coronavírus na
anunciação do fim do mundo. Versões que expliquem a história dos R$ 80 milhões
podem esperar.
Publicado originalmente no
portal R7
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