Prestes a testemunharem a
completa desmoralização do Senado Federal, tendo com a “gota d’água” que
faltava o caso envolvendo o senador Aécio Neves (PSDB), procuradores da “Lava
Jato” divulgaram nota onde afirmam que falta vergonha aos políticos brasileiros
e tacham o país de “Republica de Coronéis”
Confira o texto completo
dos procuradores Diogo Castor de Mattos e Carlos Fernando do Santos Lima*
Um senador foi pego
solicitando dois milhões de reais a um conhecido empresário. Como provas, há
gravações de áudio e vídeo, bem como a apreensão da mala com os valores
solicitados. Se isso tivesse acontecido em um lugar em que os políticos têm um
mínimo de vergonha, seria de se esperar que o próprio congressista pedisse para
sair.
Em 2016, por um motivo
menor, uma mera citação do primeiro-ministro da Islândia Sigmundur David, no
Panama Pappers, foi o suficiente para acarretar a sua renúncia. Aqui, mesmo diante
da enormidade do escândalo, Aécio Neves, o sujeito desse escândalo, recusou-se
em renunciar ao cargo.
Diante disso, não restaria
ao próprio Senado outra atitude que não fosse cassar o seu mandato por quebra
de decoro parlamentar. Contudo, também não foi o que ocorreu. Pelo contrário,
segundo o Conselho de Ética do Senado, os fatos não eram graves e não havia um
lastro probatório mínimo que legitimasse o início do processo de cassação.
Diante desses
contrassensos, coube à 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tentar
colocar um pouco de ordem na questão, afastando o senador do mandato. Afinal,
em qualquer empresa privada ou pública do mundo em que um empregado é pego
desviando R$ 2 milhões a providência mínima seria o afastamento imediato das funções.
E a decisão do STF não
parecia juridicamente controversa, pois o próprio Supremo, um ano antes, por
unanimidade, havia decidido afastar o então deputado Eduardo Cunha, já
desgastado politicamente por inúmeras denúncias de corrupção. Na época, a decisão
do STF foi amparada pelo parecer a Advocacia Geral da União (AGU), assinado
pela atual ministra Grace Mendonça, que dizia que a medida era legal. No mesmo
sentido, havia pareceres da consultoria jurídica do Senado e da Câmara dos
Deputados.
Contudo, alguns coronéis
do Senado entenderam que era a hora de dar um basta. Como sempre estiveram
acima da lei, era necessário lembrar o Supremo dos seus “limites”. Era só bater
o pé e dizer “não cumpro”, como já havia ocorrido com a decisão de afastamento
do então presidente do Senado, Renan Calheiros. Ou, como discursou a presidente
do PT, senadora e investigada Gleisi Hoffman, era necessário “chamar o STF à
ordem”.
Diante do ultimato dos
senadores entrou em cena, para tentar acalmá-los, a presidente do STF, Ministra
Cármen Lúcia, que, apesar de magistrada, acreditou-se política. A solução foi
simplesmente o STF “desdecidir” o que já havia decidido.
De repente, tudo e nada
mudou.
O STF, Senado, Câmara e
AGU continuaram os mesmos. Mas havia necessidade de adequar o entendimento
conforme a qualidade do réu, que não era mais o desgastado Eduardo Cunha, mas
sim o ainda poderoso articulador do PSDB, Aécio Neves.
Para isso, bastava
inventar qualquer fundamento jurídico, ainda que contrário aos que os próprios
subscritores já haviam manifestado. Afinal, o papel aceita tudo.
Assim, da noite para o
dia, a AGU mudou o seu entendimento e a mesma Grace Mendonça assinou outro
parecer dizendo: “que a concessão de medida cautelar prevista no art. 319 do
Códio de Processo Penal aos parlamentares não encontra amparo na Constituição”.
A consultoria do Senado e da Câmara também passaram a acreditar que o
afastamento do parlamentar por decisão judicial era inconstitucional.
Finalmente, o STF reviu a decisão do próprio STF. Assim, a maioria dos
ministros da Corte ao tentar fazer política, colocou ainda mais em crise a
legitimidade do STF perante a sociedade, que não mais distingue o Supremo dos
malfeitos que afetam os outros poderes. E o mais deprimente foi a titubeante
argumentação jurídica dos ministros para legitimar o ilegítimo.
É lamentável que nossas
instituições públicas tenham chegado a esse ponto. O Supremo Tribunal Federal apoiou
a República dos Coronéis. A corrupção avalizada pelos casuísmos decisórios
moldados conforme o dote político do réu está acabando com a credibilidade do
Poder Judiciário. Quando a Suprema Corte aceita barganhar com a corrupção
institucionalizada do Poder Legislativo é hora de repensar nossos caminhos. Do
contrário, em breve, o cidadão comum se espelhará nos seus coronéis para deixar
de cumprir as decisões judiciais contrárias a seus interesses, o que levará o
sistema ao colapso.
(*) Procurador da
República e procurador regional da República, integrantes da força-tarefa da
Operação Lava Jato, em Curitiba
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