Artigo do procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, defende o acordo de delação premiada fechado com
os Joesley e Wesley Batista, donas da JBS. O texto foi publicado no jornal
Folha de São Paulo.
Confira!
A realidade sempre sai em
desvantagem quando é confrontada pela ilusão. A afirmação é perfeitamente
compreendida por todos aqueles que, diante de um dilema, foram compelidos a
tomar decisões graves, que exigiram ponderações e escolhas difíceis.
São os "hard
cases", dos quais não há saída perfeita. Pela natureza da nossa
instituição, talhada para a persecução penal, é evidente que, se fosse
possível, jamais celebraríamos acordos de colaboração com nenhum criminoso.
No campo plasmável da
vontade, desejamos o rigor máximo para todos os que transgridem os limites da
lei penal, sem concessões. Mas, desafortunadamente, o caminho tradicional para
aplicação da lei penal tem-se mostrado ineficaz e instrumento de impunidade.
Não é por outra razão que
o acordo de colaboração foi pragmaticamente acolhido, em grande parte dos
ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, como exigência indispensável no combate
às organizações criminosas.
O fato incontornável,
porém, é que, defrontado com a realidade e premido pelo senso de
responsabilidade para com o país, apartei-me da utopia, do personalismo e do
aplauso fácil para arrostar a decisão de celebrar o acordo com os donos do
grupo empresarial J&F. Depois da colaboração da Odebrecht, o alvo da vez é
o acordo com os proprietários do grupo J&F.
Quando acreditávamos que nada
mais poderia ser desnudado em termos de corrupção, esse acordo demonstrou que
três anos de intenso trabalho não foram suficientes para intimidar um sistema
político ultrapassado e rapineiro.
Autoridades em altos
cargos continuavam a corromper, e ainda se deixavam ser corrompidos, sem
receios ou pudor. Isso, no entanto, pareceu de pouca gravidade para alguns. Um
importante veículo de imprensa, em editorial, sintetizou as críticas: a) os
áudios não foram periciados; b) o acordo foi brando com os colaboradores; c) o
caso não deveria ter ido para o ministro Edson Fachin, mas sim levado à livre distribuição
no plenário do STF.
Fui tachado de
irresponsável. Pois bem.
Os irmãos Batista, em
troca dos benefícios, relataram o pagamento de propina a quase 2.000 autoridades
do país, apresentaram provas muito consistentes, contas no exterior, gravações
de crimes e auxiliaram na realização de ação controlada pela polícia. Tudo isso
só foi possível nos termos acordados.
É verdade que os áudios
ainda não foram periciados. Nesse ponto, é preciso esclarecer que o inquérito
requerido ao STF, entre outras tantas coisas, serve para viabilizar a
realização dessa diligência.
Ao contrário do que se vem
propagando, esses áudios, apesar do impacto para a opinião pública, são apenas
uma pequena parte da colaboração.
Há muitas outras provas
que sustentam o acordo. Finalmente, a última objeção é a prova de
desconhecimento do editorialista acerca do que opinava.
Os crimes revelados pelos
colaboradores eram, ao menos em parte, direcionados a obstar as investigações
da Lava Jato, as quais estão sob a condução do ministro Fachin -ou seja, são
fatos conexos e, portanto, deveriam ser distribuídos a ele.
Só posso, assim, imputar à
ignorância -pelo benefício da dúvida-certas críticas arrogantes lançadas sobre
a atuação do Ministério Público Federal nesse caso. Parece-me leviandade julgar
a escolha realizada sem examinar as provas e seu alcance, desconsiderando as
circunstâncias concretas e a moldura de um sistema criminal leniente.
Os reais motivos dessas
pessoas estão, na verdade, mal dissimulados em supostas preocupações com a
estabilidade, a economia e o bem-estar do povo.
Para esses, sou enfático:
não foi a nossa instituição que corrompeu a política nacional, a vontade dos
eleitores e o próprio sentido de democracia.
Ao contrário, a luta do
Ministério Público tem sido perene e constante contra as mazelas da corrupção
que conspurcam o Estado de Direito, abastardam a sociedade e roubam o futuro do
país.
O fruto do esforço
institucional está aí para os que têm olhos de ver: três anos de um trabalho
árduo que, contra todas as probabilidades de nosso sistema criminal permissivo,
encarcerou dezenas de poderosos políticos e empresários e restituiu para os
cofres públicos, até o momento, o montante de quase R$ 1 bilhão.
Os cidadãos honestos deste
país devem se perguntar: se tantos críticos tinham o mapa do caminho, a solução
perfeita forjada em suas mentes utopistas que solucionaria sem custos o
descalabro econômico, moral e político para o qual fomos arrastados, por que
não o apresentaram? Ou melhor, por que não o colocaram em execução e evitaram o
atual estado de coisas?
A resposta é muito
simples. Não há caminho mágico para sair da crise criada pela incúria e
desonestidade de parte da classe dirigente do país.
Tirar o Brasil do círculo
vicioso da corrupção terá um custo, que poderá ser pago agora ou postergado
para um futuro distante.
A sociedade tomará essa
decisão.
Estou confiante de que a
escolha, apesar das forças que operam em sentido contrário, será a favor de um
futuro de justiça e prosperidade, erguido em base sólida e consistente.
O país cansou do engodo,
da hipocrisia, dos voos de galinha de economia sustentada no favorecimento, de
seguir para logo retroceder.
A hora é de mudança.
*RODRIGO JANOT, mestre em
direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é procurador-geral da
República.
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