A 8ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou hoje (27/11), por unanimidade, a
condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo referente ao
Sítio de Atibaia (SP) pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro,
passando a pena de 12 anos e 11 meses para 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão
em regime inicial fechado e pagamento de 422 dias-multa (com valor unitário do
dia-multa de 2 salários mínimos). Esta foi a segunda apelação criminal
envolvendo Lula julgada pelo tribunal em ações no âmbito da Operação Lava Jato.
Segundo a sentença da 13ª
Vara Federal de Curitiba, o ex-presidente teria participado do esquema
criminoso deflagrado pela Operação Lava Jato, inclusive tendo ciência de que os
diretores da Petrobras utilizavam seus cargos para recebimento de vantagens
indevidas em favor de partidos e de agentes políticos.
Como parte de acertos de
propinas destinadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) em contratos da estatal,
os Grupos Odebrecht e OAS teriam pagado vantagem indevida à Lula na forma de
custeio de reformas no Sítio de Atibaia utilizado por ele e por sua família.
De acordo com os autos, em
seis contratos da petrolífera, três firmados com o Grupo Odebrecht e outros
três com o OAS, teriam ocorrido acertos de corrupção que também beneficiaram o
ex-presidente.
Parte dos valores
acertados nos contratos teria sido destinada a agentes da Petrobras e parte a
"caixas gerais de propinas" mantidas entre os grupos empresariais e
membros do PT. Além disso, outra parte das propinas foi utilizada nas reformas
do Sítio de Atibaia.
A denúncia foi recebida
pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba e, em fevereiro deste ano, Lula foi
considerado culpado pela prática dos delitos de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro e sentenciado a uma pena de 12 anos e 11 meses de reclusão com
pagamento de 212 dias-multa no valor de dois salários mínimos cada dia.
A defesa dele recorreu da
decisão ao TRF4. No julgamento da apelação criminal, a 8ª Turma, de forma
unânime, manteve a condenação pelos mesmos crimes apenas aumentando o tempo de
pena para 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão em regime fechado, juntamente
com o pagamento de 422 dias-multa.
Início do julgamento
Às 9h03min, o presidente
da 8ª Turma, desembargador federal Thompson Flores, abriu os trabalhos da
sessão de julgamento. Ele cumprimentou todos os presentes e orientou a ordem
das manifestações, que iniciaram com o relator, seguidas das sustentações do
representante do MPF e dos advogados dos réus e, por fim, com os votos dos três
desembargadores que compõem o órgão colegiado.
Na sequência, o relator do
caso, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, proferiu a leitura do
relatório da apelação, apresentando um histórico do processo, desde sua
autuação, detalhando a denúncia, passando pela sentença da juíza federal
Gabriela Hardt e trazendo os pedidos feitos pelo MPF e pelas defesas dos réus
em seus recursos apresentados perante o TRF4.
Manifestações do MPF
O procurador regional da
República Maurício Gotardo Gerum reforçou as requisições apresentadas no
parecer do Ministério Público Federal (MPF). Sobre o uso do Sítio de Atibaia
por Lula, Gerum apontou que, além das “fartas provas documentais”, existem
relatos testemunhais que corroboram que o ex-presidente e sua família
utilizavam frequentemente a propriedade.
O representante do órgão
ministerial ainda destacou que as reformas e obras realizadas no sítio e que
beneficiaram o ex-presidente foram inteiramente pagas pela Odebrecht, pela OAS
e pelo empresário pecuarista José Carlos Costa Marques Bumlai. “Essas
benfeitorias caracterizam vantagens indevidas que foram plenamente aceitas e
usufruídas pelo réu, consumando assim o crime de corrupção”, disse.
Conforme o procurador, a
defesa não conseguiu apresentar qualquer argumento que afastasse o conjunto
probatório apresentado pela acusação. “Com as consistentes provas de corrupção
e lavagem de dinheiro por parte do réu restou plenamente demonstrado que Lula
mais uma vez se corrompeu. Esta é uma condenação que causa uma chaga profunda à
democracia brasileira, por se tratar de um ex-presidente da República
extremamente popular que, infelizmente, optou por integrar um esquema
criminoso”, encerrou.
Votos dos desembargadores
Em um voto contendo cerca
de 360 páginas, o relator, desembargador Gebran, iniciou negando todas as
questões preliminares suscitadas pelas partes. Prosseguindo em relação ao
mérito da apelação criminal, o magistrado entendeu que a questão central a ser
analisada não é a propriedade formal do Sítio de Atibaia, ou seja, quem detém a
escritura do imóvel. Para o magistrado, o mais relevante é que o ex-presidente
usava do imóvel com a intenção de ter a coisa para si, com a plena consciência
das reformas que foram executadas na propriedade e custeadas pela Odebrecht e
OAS, em seu benefício. “Isso está demonstrado em diversas provas documentais”,
declarou.
O relator reforçou que não
há duvidas da ocorrência de corrupção nas contratações da Odebrecht pela
Petrobras, com propinas destinadas a diversos partidos e agentes políticos e
públicos, inclusive ao PT e ao ex-presidente, conforme as planilhas do Setor de
Operações Estruturadas da empreiteira registraram.
Gebran salientou que, em
depoimentos, vários empregados e executivos da Odebrecht confirmaram como
funcionava a organização dos repasses dos recursos ilícitos. Segundo o
desembargador, Lula ocupava uma posição de destaque, com função mantenedora do
esquema criminoso.
Quanto às obras realizadas
no Sítio de Atibaia e pagas pela empreiteira OAS, o relator destacou que os
depoimentos de José Adelmário Pinheiro Filho, vulgo Léo Pinheiro, presidente da
empresa, abordam os projetos das reformas, inclusive citando reuniões documentadas
e registradas entre ele e o ex-presidente para discussão sobre as benfeitorias
que deveriam ser feitas.
Gebran apontou a
semelhança dos projetos de reformas nas cozinhas do Triplex do Guarujá e do
Sítio de Atibaia e a confirmação por Léo Pinheiro de que o acerto das obras
teria ocorrido em reunião com o réu. Para o desembargador “ficou provado acima
de qualquer duvida razoável nos autos que as solicitações e aprovações das
reformas foram do casal Lula e Marisa Letícia, mas que eles foram dissimulados
como os reais beneficiários”.
Ao elevar a pena, o
relator entendeu que, assim como no caso do Triplex, há uma culpabilidade
bastante elevada, por tratar-se de um ex-presidente da República que recebeu
vantagens decorrentes da função que ocupava, e de esquema de corrupção que se
instalou durante o exercício do mandato, do qual se tornou tolerante e
beneficiário. Gebran reforçou que se “espera de um dirigente da nação que se
comporte conforme o Direito e que aja para evitar a perpetração de ilícitos, o que
não aconteceu nos fatos julgados”.
O revisor do processo,
desembargador federal Leandro Paulsen, acompanhou integralmente o voto do
relator. Ele destacou que os réus investigados na Operação Lava Jato são
pessoas de elevado padrão de poder político e econômico, mas que cometeram
graves crimes contra o patrimônio público do país, em casos envolvendo grandes
movimentações de valores.
“Nesse processo, lidamos
com um grande mandatário, em quem foi depositada a confiança da população por
mais de uma eleição, e quanto maiores são os poderes conferidos a alguém
maiores devem ser o seu compromisso e a sua responsabilidade”, pontuou o
revisor.
Paulsen lembrou que o
processo julgado hoje é a 43ª ação que vem ao TRF4 para a análise de recursos
de apelação no âmbito da Operação Lava Jato. Ele ressaltou, ao falar das
questões preliminares, que nesta ação foi cumprido o devido processo legal de
maneira correta, desde a denúncia, passando pela instrução e sentença na
primeira instância, chegando à análise do recurso na corte. Segundo ele, não há
fundamento jurídico que justifique anular a sentença para a alteração da ordem
das alegações finais dos réus, visto que ela não trouxe nenhum prejuízo ao
contraditório e à ampla defesa do réu.
Para Paulsen, a análise do
conjunto probatório aponta que as denúncias imputadas pelo MPF ao ex-presidente
são procedentes, com a autoria e a materialidade dos delitos confirmadas pelo
amplo quadro de provas reunido nos autos. Ele considerou que isso demonstra a
gravidade do esquema de corrupção que se montou a partir da Presidência da
República sob os cuidados e o aval de Lula.
“Há elementos de prova que
demonstram que ele agia como o verdadeiro proprietário do Sítio de Atibaia, com
visitas e estadias muito freqüentes por parte dele e de seus familiares, e que
as reformas foram feitas em contrapartida aos contratos firmados pela Petrobras
com a Odebrecht e a OAS”, disse o revisor.
Último integrante da 8ª
Turma a votar, o desembargador federal Thompson Flores, apontou que a
Constituição Federal e as Leis se projetam sobre os agentes políticos, que
devem moldar, conforme o ordenamento jurídico, o exercício das suas
atribuições. “Com as investigações da Operação Lava Jato tomamos conhecimento
de um horrível esquema de corrupção no âmbito da Petrobras, que chocou o país”,
ele declarou.
Sobre o mérito da
apelação, Thompson Flores ressaltou que o acervo probatório testemunhal e
documental o convenceu do acerto da condenação do ex-presidente nos fatos
investigados sobre as benfeitorias feitas no Sítio de Atibaia, pois Lula sabia
que as reformas consubstanciavam propinas das empresas OAS e Odebrecht. Ele
encerrou o seu voto destacando que aderiu de forma integral ao posicionamento
do relator, formando a unanimidade na decisão do colegiado.
O julgamento da apelação
criminal foi encerrado às 17h45min, depois de mais de 7h de sessão, logo após a
proclamação do resultado final pelo presidente da 8ª Turma.
Outros réus
Além de Lula, também foram
analisados pela 8ª Turma recursos em relação a outros 10 réus do processo.
Marcelo Bahia Odebrecht e
Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, presidente e executivo do Grupo
Odebrecht, respectivamente, também são réus nesta ação penal, mas não tiveram
recursos interpostos junto ao TRF4 após o julgamento em primeira instância.
Para Marcelo, em razão dos
termos firmados em seu acordo de colaboração premiada, a condenação e o
processo foram suspensos e, ao fim do prazo prescricional, deverá ser extinta a
punibilidade. Já Alexandrino foi
condenado pela Justiça Federal curitibana a 4 anos de reclusão e pagamento de
60 dias-multa (valor unitário do dia-multa em 5 salários mínimos vigentes ao
tempo do último fato criminoso). Ele vai cumprir a pena conforme os termos
estabelecidos em seu acordo de colaboração premiada. A 8ª Turma não alterou
essas determinações da sentença visto a ausência de recursos ou ilegalidades
nas decisões.
Veja abaixo a lista com os
nomes e as penas impostas a cada um dos réus após o julgamento de hoje:
- Luiz Inácio Lula da
Silva: ex-presidente da República. A pena passou de 12 anos e 11 meses de
reclusão para 17 anos, 1 mês e 10 dias, a ser cumprida em regime inicial
fechado. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 422 dias-multa
(com valor unitário do dia-multa de 2 salários mínimos);
- Emílio Alves Odebrecht:
presidente do Conselho de Administração do Grupo Odebrecht. Manteve
relacionamento pessoal com Lula e teria participado diretamente da decisão dos
pagamentos das reformas do Sítio de Atibaia, com ocultação de que o custeio
seria da Odebrecht. A pena foi mantida em 3 anos e 3 meses de reclusão. Também
foi condenado ao pagamento de multa no valor de 22 dias-multa (valor unitário
do dia-multa de 5 salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso).
Vai cumprir a pena conforme os termos estabelecidos em seu acordo de
colaboração premiada;
- Carlos Armando Guedes
Paschoal: diretor da Construtora Norberto Odebrecht em São Paulo. Estaria
envolvido na reforma do Sítio de Atibaia com mecanismos de ocultação de que o
beneficiário seria Lula e de que o custeio era da Odebrecht. A pena foi mantida
em 2 anos de reclusão. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 6
dias-multa (valor unitário do dia-multa de 1/15 de salário mínimo vigente ao
tempo do último fato criminoso). A pena privativa de liberdade foi substituída
por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação pecuniária e
prestação de serviços a comunidade. Vai cumprir a pena conforme os termos
estabelecidos em seu acordo de colaboração premiada;
- Emyr Diniz Costa Júnior:
diretor de contratos da Construtora Norberto Odebrecht. Supervisionou a obra de
reforma do Sítio de Atibaia com ocultação do real beneficiário e de que o
custeio seria proveniente da Odebrecht. Foi condenado a uma pena de 3 anos de
reclusão na primeira instância, mas foi absolvido pela 8ª Turma por ausência de
prova acima de dúvida razoável de que o réu tivesse ciência que estava
branqueando capital ilícito;
- José Adelmário Pinheiro
Filho, vulgo Léo Pinheiro: presidente do Grupo OAS. Foi o responsável pela
decisão de pagamento de vantagem indevida a Lula na forma de custeio de
reformas no Sítio de Atibaia. A pena passou de 1 ano, 7 meses e 15 dias de
reclusão para 1 anos e 1 mês, em regime inicial semiaberto. Também foi
condenado ao pagamento de multa no valor de 7 dias-multa (valor unitário do
dia-multa de 5 salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso);
- Agenor Franklin
Magalhães Medeiros: executivo do Grupo OAS. Participou dos acertos de corrupção
nos contratos da Petrobras, tendo ciência de que parte da propina era
direcionada a agentes políticos do PT. Na primeira instância, o processo foi
extinto sem julgamento de mérito em relação a esse réu, denunciado por
corrupção ativa. A 8ª negou provimento ao apelo do MPF em relação a esse réu;
- Paulo Roberto Valente
Gordilho: diretor técnico da OAS. Encarregou-se da reforma do Sítio em Atibaia,
com ocultação do real beneficiário e da origem do custeio. Foi condenado a uma
pena de 1 ano de reclusão na primeira instância, mas foi absolvido pela 8ª
Turma por ausência de prova acima de dúvida razoável de que o réu tivesse
ciência que estava branqueando capital ilícito;
- José Carlos Costa
Marques Bumlai: empresário pecuarista. Seria amigo próximo de Lula e teria sido
o responsável pela realização de reformas no Sítio de Atibaia, ciente de que o
ex-presidente seria o real beneficiário. Para ocultar a sua participação e o
benefício a Lula, os fornecedores contratados foram pagos por terceiros e foram
utilizados terceiros para figurar nas notas fiscais. Foi condenado a uma pena
de 3 anos e 9 meses de reclusão na primeira instância, mas foi absolvido pela
8ª Turma por ausência de prova acima de dúvida razoável da prática do delito de
lavagem de dinheiro;
- Fernando Bittar:
empresário e um dos formais proprietários do Sítio de Atibaia. Participou das
reformas, ocultando que o real beneficiário seria Lula e que o custeio provinha
de Bumlai, do Grupo Odebrecht e do OAS. A pena passou de 3 anos de reclusão
para 6 anos, em regime inicial semiaberto. Também foi condenado ao pagamento de
multa no valor de 20 dias-multa (valor unitário do dia-multa de 1 salário
mínimo vigente ao tempo do último fato criminoso);
- Roberto Teixeira:
advogado e amigo de Lula. Teria participado da reforma do Sítio, ocultado
documentos que demonstravam a ligação da Odebrecht com a reforma e orientado
engenheiro da Odebrecht a celebrar contrato fraudulento com Bittar para ocultar
o envolvimento da Odebrecht no custeio e que o ex-presidente era o
beneficiário. Foi condenado a uma pena de 2 anos de reclusão na primeira
instância, mas foi absolvido pela 8ª Turma por ausência de prova acima de
dúvida razoável da participação de prática do delito de lavagem de dinheiro;
- Rogério Aurélio
Pimentel: auxiliar de confiança de Lula. Participou das reformas do Sítio de
Atibaia e teria atuado na ocultação do custeio por Bumlai e pelo Grupo
Odebrecht, assim como do real beneficiário. Na primeira instância, foi
absolvido de todas as imputações que lhe foram feitas na denúncia. A 8ª Turma
manteve a absolvição do réu.
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