O Plenário do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) indeferiu, por maioria de votos (6 a 1), o registro de
candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para disputar as
eleições à Presidência da República em outubro. A decisão seguiu o entendimento
do relator do pedido na Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que declarou a
inelegibilidade de Lula com base na Lei da Ficha Limpa.
Também por maioria (5 a
2), o colegiado decidiu facultar à Coligação O Povo Feliz de Novo (PT/PCdo
B/Pros) a substituição de seu candidato a presidente no prazo de 10 dias. Os
ministros proibiram a Lula a prática de atos de campanha, incluindo a
veiculação de propaganda eleitoral no rádio, na televisão e em outros meios de
difusão de informação, como internet e redes sociais, até que ocorra sua
eventual substituição. Os ministros também determinaram a retirada do nome do ex-presidente
da República da programação da urna eletrônica de votação.
Antes de proferir seu
voto, o ministro Luís Roberto Barroso esclareceu as razões que o levaram a
pedir a convocação da sessão extraordinária dessa sexta-feira (31) e a realizar
o julgamento do pedido de registro. Segundo ele, após a análise das razões da
defesa de Lula e dos argumentos apresentados nas impugnações e notícias de
inelegibilidade do caso, a questão a ser decidida se restringia a matéria de
direito, sem a necessidade de se abrir prazo para alegações finais, uma vez que
não houve apresentação de provas.
O relator ponderou ainda
que não havia qualquer razão para o TSE contribuir para a insegurança jurídica
e política do país por meio da ampliação do prazo para julgamento do pedido de
registro de candidatura. Barroso afirmou que, no caso, não houve atropelo nem
tratamento desigual. Os direitos de Lula, disse ele, foram assegurados, assim
como o direito de a sociedade brasileira ter uma eleição presidencial com os
candidatos devidamente definidos, antes do início do horário eleitoral gratuito
no rádio e na televisão.
Em seu extenso voto, o
ministro Barroso fez um histórico da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº
135/2010), ressaltando sua importância para a vida política do país e o fato de
sua constitucionalidade ter sido confirmada pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). “Trata-se de uma norma originada
de projeto de lei de iniciativa popular que contou com mais de 1,5 milhão de
assinaturas e foi aprovada por votação expressiva pelo Congresso Nacional. Uma
lei que tem lastro expresso no artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição, que
impõe a proteção da moralidade como valor para o exercício do mandato eletivo,
levando-se em conta a vida pregressa do candidato”, assinalou.
O pedido de registro de
Lula foi questionado no TSE por impugnações, notícias de inelegibilidade e
ações de impugnação de mandato, num total de 17 processos. As demandas foram
apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), por candidatos e partidos
adversários, entidades e até eleitores. Todas essas contestações continham,
essencialmente, o mesmo fundamento: Lula é inelegível em razão da incidência do
artigo 1º, inciso I, alínea ‘e’, itens 1 e 6, da Lei Complementar nº 64/90 (com
a redação dada pela Lei Complementar n° 135/2010, a Lei da Ficha Limpa), que
dispõe que são inelegíveis aqueles que forem condenados, em decisão transitada
em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o
transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes
contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio
público (item 1) e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (item
6).
Decisão da ONU
A alegação central da
defesa foi rejeitada pelo ministro Barroso. Os advogados argumentaram que a
medida cautelar emitida pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das
Nações (ONU) no último dia 17 teria provocado a suspensão da inelegibilidade
decorrente da condenação de Lula pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região (TRF-4), constituindo fato superveniente suficiente para afastar
qualquer obstáculo à sua candidatura, nos termos do artigo 26-C da Lei
Complementar nº 64/1990,.
Segundo o relator, apesar
da importância do órgão para a garantia dos direitos humanos no plano
internacional, suas recomendações não têm força vinculante, ou seja, a Justiça
brasileira não está obrigada a cumpri-las. O relator, entretanto, considerou
necessário examinar os argumentos apontados pelo órgão administrativo da ONU
para recomendar que Lula não fosse impedido de concorrer às eleições de outubro
até que todos os recursos se esgotassem.
Na representação que fez à
ONU, a defesa de Lula alegou que a condução da ação penal que resultou na sua
condenação a 12 anos e um mês de reclusão por corrupção passiva e lavagem de
dinheiro no caso do apartamento triplex do Guarujá (SP) violou direitos
constantes do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. A defesa pediu
que a Justiça Eleitoral cumprisse a determinação do comitê, argumentando que a
decisão vinculava o Judiciário brasileiro, uma vez que o país aderiu à
Convenção e à jurisdição do Sistema ONU, sendo irrelevante a ausência de
publicação de decreto presidencial para se atribuir força vinculante ao tratado
internacional.
Além da ausência de força
vinculante, o relator enumerou um conjunto de fundamentos para rejeitar a
aplicação da medida cautelar expedida pelo Comitê de Direito Humanos da ONU: a
orientação foi proferida no âmbito de uma comunicação protocolada antes do
esgotamento dos recursos internos disponíveis, sem a prévia oitiva do Estado
brasileiro, o que impediu que o comitê tivesse à sua disposição todos os
elementos de fato e de direito para a análise da questão.
Além disso, sustentou o
relator, a medida cautelar foi proferida por apenas dois dos 18 membros do
comitê, sem qualquer fundamentação a respeito do risco iminente de dano
irreparável ao direito de disputar eleição, previsto no artigo 25 do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Por fim, Barroso ressaltou que
o julgamento final do mérito da questão pelo comitê da ONU ocorrerá somente no
ano que vem, ou seja, após as eleições e depois da posse do presidente eleito,
quando os fatos já estarão consumados e serão de “difícil ou traumática
reversão”.
Divergência
Ao divergir do relator, o
ministro Edson Fachin afirmou que a falta de decreto executivo dando
efetividade ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não pode
comprometer a sua aplicação em território nacional porque as suas disposições
têm efeito supralegal, ou seja, estão hierarquicamente abaixo da Constituição,
mas acima da legislação ordinária.
Segundo o ministro, por esse motivo não se pode negar eficácia à medida
cautelar expedida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Embora concorde que o
ex-presidente Lula deve ser considerado inelegível por força da Lei da Ficha, o
ministro Fachin entende que, em razão da liminar concedida pelo órgão
internacional, o ex-presidente obteve o direito de suspender a eficácia da
decisão que resultou na sua inelegibilidade, por isso deve-se reconhecer seu
direito de se candidatar às eleições presidenciais enquanto perdurar a medida
cautelar deferida. “A segurança está acima da minha convicção individual e da
convicção coletiva. O Poder Judiciário não reescreve a Constituição nem edita
as leis. Cumpre as regras e as faz cumprir”, afirmou, acrescentando que não se
pode produzir uma regra ad hoc (para a finalidade do caso), por mais “sensível
e limítrofe que ele seja”.
Para Fachin, a decisão do
Comitê da ONU e a prerrogativa prevista no parágrafo 2º do artigo 5º da
Constituição (que dispõe sobre garantias individuais decorrentes dos tratados
internacionais do qual o Brasil é parte) garantem a Lula o direito, ainda que
em caráter provisório, de se candidatar às eleições deste ano, mesmo estando
preso.
Votos
O ministro Jorge Mussi
acompanhou integralmente o voto do relator pelo indeferimento do registro de
Lula, ressaltando que a Lei da Ficha Limpa teve sua constitucionalidade
reconhecida pelo STF e se aplica “de modo pleno e irrestrito” a todos os
cidadãos que concorrem a cargos eletivos. Segundo ele, a condenação do
ex-presidente em segunda instância torna a inelegibilidade do candidato
“patente” e “cristalina”, não cabendo à Justiça Eleitoral analisar o mérito
dessa decisão. Alinhado ao relator do processo, ele acrescentou que o
entendimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU não possui efeito vinculante.
O ministro Og Fernandes
também aderiu à argumentação do relator e manifestou o entendimento de que a decisão
do Comitê das Nações Unidas não tem caráter vinculante nem força normativa
suficiente para afastar a aplicação da causa de inelegibilidade prevista na Lei
da Ficha Limpa. Na mesma linha, o ministro Admar Gonzaga sustentou não ser
possível subordinar os comandos constitucionais brasileiros aos requerimentos
do comitê da ONU. Para ele, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
ostenta natureza de norma intermediária e não pode contrariar o texto da
Constituição de 1988, notadamente na parte em que exige requisitos mínimos de
probidade e moralidade para o exercício do mandato. O ministro, entretanto,
entende que o registro de Lula continua sub judice, a despeito da decisão do
TSE de negativa do registro.
O ministro Tarcisio Vieira
de Carvalho de Carvalho Neto também acompanhou o voto do relator pelo
indeferimento do registro de Lula com base na Lei da Ficha Limpa. Para ele, a
medida cautelar expedida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU não tem o
efeito de suspender a inelegibilidade, ainda mais por prazo incompatível com a
efetividade do processo eleitoral brasileiro em curso, sobretudo no tocante à
estabilidade e segurança jurídica. “Num exemplo dramático, nós poderíamos estar
diante de decisões que suspendessem a própria eleição ou determinassem a
soltura do candidato”, advertiu.
Última a votar, a
presidente do TSE, ministra Rosa Weber também negou o registro de Lula em razão
de inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, mas divergiu parcialmente do
relator para assegurar ao ex-presidente o direito de participar da campanha
eleitoral, utilizar o horário gratuito de rádio e TV e ter seu nome na urna
enquanto seu o pedido de registro estiver sub judice, ou seja, pendente de uma
decisão final do Judiciário, no termos do artigo 16-A da Lei das Eleições (Lei
9.504/1997). A ministra ressaltou que a norma alcança os candidatos a qualquer
cargo. Quanto aos efeitos da medida cautelar deferida pelo comitê da ONU, Rosa
Weber destacou que se trata de matéria polêmica em razão da discussão de seu alcance,
porém acompanhou o entendimento do relator no sentido de não haver cumprimento
obrigatório de suas decisões, por não ter havido a conclusão de todos os atos
necessários à incorporação da norma internacional ao direito brasileiro.
Preliminar
Antes da manifestação dos
demais integrantes do colegiado, em preliminar, por quatro votos contra três,
os ministros negaram o pedido da defesa de Lula para adiar o julgamento para
que as partes que impugnaram o registro pudessem se manifestar e para que o Ministério
Público Eleitoral oferecesse um parecer final. De acordo com o relator do
pedido de registro, não havia necessidade de se abrir novo prazo para alegações
finais, visto que não houve apresentação de provas.
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