A sociedade brasileira vem
assistindo nos últimos anos, talvez ainda sem entender bem suas reais
dimensões, o surgimento e o fortalecimento de mais uma praga – quase – endêmica
do nosso país; digo “quase” pois alguns países africanos também a experimentam.
Trata-se do que podemos denominar de “Crime Institucionalizado”.
Tal fenômeno, que adquiriu
contornos marcantes, que o diferenciam conceitualmente do crime organizado
convencional, merece urgente atenção não apenas das autoridades policiais, do
ministério público e do judiciário, mas, sobretudo, da imprensa e da sociedade
como um todo, pois seu fortalecimento e sedimentação tem a capacidade de minar
de forma devastadora as possibilidades de desenvolvimento nacional.
Vale dizer, grosso modo, que o “Crime Institucionalizado” estaria para o crime organizado assim como a motocicleta está para o velocípede.
Ao contrário do crime
organizado, agora neste contexto rebaixado à delinquência juvenil, o “Crime
Institucionalizado” não lança mão de atividades escancaradamente ilegais, como
o tráfico de drogas, de armas, a prostituição, o jogo ilegal e etc. Este novo e
poderoso flagelo utiliza-se apenas da plataforma oficial, dos governos das três
esferas, do estamento público, dos ministérios da república, da política partidária
e das regras eleitorais para prospectar e desviar fortunas do erário público.
Todo o seu faturamento tem origem nos contratos de serviços e obras, nas
concorrências públicas, nos repasses para programas de governo, principalmente
para ongs e oscips.
Trata-se, desta feita, de
atividade infinitamente mais lucrativa e segura do que qualquer negócio ilegal
convencional colocado em prática por organizações tipo máfia.
Em suma, enquanto o crime
organizado viceja aproveitando-se da letargia e da omissão de alguns homens
públicos, o “Crime Institucionalizado” é fruto da própria ação estruturada e
pensada de um grupo de homens e mulheres que comandam determinado setor,
empresa ou unidade do poder público.
Outra diferença marcante é
que, enquanto o crime organizado coopta, ou, quando muito, infiltra um agente
aqui e acolá, na polícia ou numa determinada repartição, o “Crime
Institucionalizado” indica e nomeia, com a devida publicação em diários
oficiais, dezenas de autoridades que servem aos seus propósitos tanto na
empreitada criminosa propriamente dita, como na tomada de medidas garantidoras
da impunidade do grupo e da salvaguarda do butim, nos três poderes da
república.
Mais um nuance importante
é que o “Crime Institucionalizado”, com seus exércitos de nomeados em cargos e
funções estratégicas, com vista a garantir alguns aspectos vitais da atividade,
isto é, para institucionalizar a própria moenda criminosa, estaria,
desgraçadamente, lançando mão da elaboração e promulgação de normas
administrativas, e até de leis, que facilitem sua consecução. Eles têm a faca,
o queijo e, é claro, a boca faminta, ao seu inteiro dispor.
Na última década o “Crime
Institucionalizado” vitaminou-se tremendamente, aproveitando-se dos seguidos
recordes de arrecadação tributária. Com o ingresso de dezenas de milhões de
pessoas na classe média e o consequente aumento do consumo, os cofres públicos
abarrotaram-se de dinheiro. São exatamente essas divisas, oriundas do
alquebrado contribuinte brasileiro, que vem alimentando o “Crime Institucionalizado”.
Uma de suas consequências
práticas mais nefastas é a existência de centenas de concorrências públicas
viciadas pelas fraudes do “Crime Institucionalizado” – há quem diga, inclusive,
ser difícil encontrar, nos dias de hoje, uma única licitação que não seja
“arrumada”. Contudo, ainda mais desoladora é a possibilidade da existência de
grandes e vultosos projetos sendo aprovados com o único e exclusivo intento de
desviar verbas públicas. É de fato o pior dos mundos, onde a corrupção estaria
no nascedouro das iniciativas. Não seria mais o caso do estádio de futebol
superfaturado, mas o caso do estádio de futebol que nem deveria ter sido
construído, isto é, a corrupção de raiz. Não é, como dizem por aí, “o
malfeito”, mas o que nem deveria ter sido feito.
Esta situação tem saída, por mais difícil e desfavorável que possa parecer. E a solução passa necessariamente pela total e completa blindagem política de todos os órgãos que compõem a persecução criminal, sem prejuízos de outras medidas de proteção às instituições do estado brasileiro, mormente as agências controladoras, nas três esferas políticas.
O quadro aponta para a
necessidade da edificação de uma estrutura policial, altamente preparada e
fortalecida, que faça frente a tais dragões, e com capacidade de investigar
aqueles que nomearam seus próprios chefes.
Jorge Pontes é delegado
federal e foi diretor da Interpol do Brasil
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