Um dos principais líderes
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile avalia
os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff sob a perspectiva da
luta do homem no campo pela reforma agrária e contra o agronegócio e, deste
ponto de vista, Stedile questiona o fato de a reforma agrária não ter
apresentado resultados significativos na atual gestão. Segundo o líder
sem-terra, a reforma agrária só não tem avanços porque a presidenta está
“alinhada com as oligarquias”.
Em entrevista publicada no Jornal do Comércio, João Pedro Stedile não poupou críticas aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, ambos do PT. O líder nacional do MST critica a política do atual governo em promover concessões de setores estratégicos. Sobre a política econômica do governo de coalizão, acredita que é necessário realizar mudanças, barrar o superávit primário e destinar os R$ 280 bilhões anuais, hoje pagos em juros aos bancos, para educação, saúde, reforma agrária e transporte público. Reitera que, para que haja essas mudanças estruturais, será necessário primeiro promover uma reforma política para que o poder seja exercido pelo povo, “e não contra ele”.
Em entrevista publicada no Jornal do Comércio, João Pedro Stedile não poupou críticas aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, ambos do PT. O líder nacional do MST critica a política do atual governo em promover concessões de setores estratégicos. Sobre a política econômica do governo de coalizão, acredita que é necessário realizar mudanças, barrar o superávit primário e destinar os R$ 280 bilhões anuais, hoje pagos em juros aos bancos, para educação, saúde, reforma agrária e transporte público. Reitera que, para que haja essas mudanças estruturais, será necessário primeiro promover uma reforma política para que o poder seja exercido pelo povo, “e não contra ele”.
Leia os principais trechos
da entrevista de João Pedro Stedile.
– Quais são os desafios dos movimentos sociais?
– Quais são os desafios dos movimentos sociais?
– Primeiro, é não
desanimar diante da avalanche do grande capital que está dominando toda
agricultura. Ir construindo pequenas e médias agroindústrias na forma
cooperativa. Adotar a agroecologia como matriz de produção e priorizar a
produção de alimentos sadios. Resistir. Logo aí, as contradições do modelo do
agronegócio vão gerar uma crise tremenda, pois ele é predador da natureza, só
produz alimentos contaminados pelo alto uso de venenos e vai despovoando o
interior, com mais desemprego.
– O senhor disse que o modelo de luta pela reforma agrária deve ser reformulado. Quais seriam as alternativas?
– O senhor disse que o modelo de luta pela reforma agrária deve ser reformulado. Quais seriam as alternativas?
– Durante todo século XX,
os movimentos camponeses lutaram por terra e os governos que representavam os
interesses da burguesia industrial aplicaram programas de reforma agrária
clássica, que eliminava o latifúndio e democratizava a propriedade da terra
para desenvolver o mercado interno. Agora, é o capital financeiro e as empresas
transnacionais que hegemonizam o capitalismo, e a eles não interessa mercado
interno, nem democratizar o acesso a terra. Então, nós, dos movimentos
camponeses, precisamos avançar para um programa de reforma agrária popular, que
interesse a todo o povo, centrado na distribuição de terras, na produção de
alimentos sadios, sem venenos, no uso da agroecologia e na democratização da
educação e das agroindústrias.
– Levantamentos revelam que o Brasil importou mais de US$ 2 bilhões em agrotóxicos no ano de 2012. Como o senhor avalia essa situação?
– Levantamentos revelam que o Brasil importou mais de US$ 2 bilhões em agrotóxicos no ano de 2012. Como o senhor avalia essa situação?
– O governo Dilma é refém
do agronegócio e da falácia de que as exportações agrícolas são necessárias.
Nenhum país do mundo se desenvolveu vendendo matérias primas. Olha, somos o
maior exportador mundial de couro cru e os maiores importadores de tênis da China.
Isso é uma vergonha. Somos o maior exportador de minério de ferro, sem pagar
nada de imposto, e depois compramos até trilho de trem, ferro elétrico, e
ventilador da China. Vendemos soja em grão e depois importamos leite em pó. E
esse modelo anacrônico, até do ponto de vista agronômico, transformou a
agricultura em refém dos venenos. Somos o maior consumidor mundial de venenos,
20% de todos os venenos do mundo, sem nenhuma necessidade agronômica. Nós
estamos aplicando em media 15 litros de venenos por hectare por ano, e
consumimos cinco litros por habitante ano. E ele mata a biodiversidade, mata os
rios, a água subterrânea, contamina o ar, a chuva, e fica nos alimentos, para
depois virar câncer. Esse é o preço que o povo esta pagando pela falácia do agronegócio.
– Por que o senhor diz que
o governo Dilma Rousseff tem um desempenho ruim na reforma agrária?
– Porque é um governo de
composição, de coalizão de todas as classes, em que o agronegócio tem hegemonia
e os setores favoráveis à reforma agrária são minoritários. Somado a isso, há o
contexto da agricultura dominada pelo capital financeiro e pelas empresas
transnacionais. E é um Estado dominado pela burguesia, que tem controle
absoluto do poder Judiciário e do Congresso para se proteger contra qualquer
mudança.
– O MST, em particular nos
governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi um dos movimentos sociais que
mais realizaram mobilizações. Como está isso hoje?
– Na época do
neoliberalismo, dos governos Collor-FHC, os movimentos sociais resistiram no
campo e lutaram muito. Até porque o movimento sindical e a classe trabalhadora
urbana haviam sido derrotados econômica e ideologicamente. Então, a imprensa
burguesa como reprodutora de sua ideologia nos atacava permanentemente para
evitar que crescessemos. Hoje, o papel da imprensa burguesa é esconder as lutas
sociais ou difundir como sinônimo apenas de “baderna”, para abrir caminho para
a repressão judicial e policial.
– Por que o senhor tem
dito que os governos Lula e Dilma não fizeram a ruptura com o capital
financeiro?
– Primeiro, porque nunca
se propuseram a isso, uma ruptura com as oligarquias. Segundo, porque diante de
uma correlação de forças adversas para a classe trabalhadora em todo mundo e a
hegemonia do capital financeiro, escolheram o caminho de chegar ao governo em
aliança com setores da burguesia. E disso se gerou um pacto: “vocês podem
governar, fazer políticas de distribuição de renda, mas não podem mexer nas
estruturas iníquas do capital e do Estado”. Isto é, formaram um governo de aliança
de classes. Todos ganham um pouco, mas o capital financeiro é o que mais ganha.
E cabe a ele financiar as campanhas dos deputados, dos governantes, encontros
do poder Judiciário…
– Como o senhor analisa as
concessões que estão sendo promovidas pela presidente Dilma?
– O governo Lula barrou as
privatizações. Já o governo Dilma usa um sofisma: em vez de privatização,
concessão. Na minha opinião, uma vergonha. O Estado brasileiro deve manter
controle dos setores estratégicos da economia, da energia, dos transportes, das
comunicações, para garantir que os interesses do povo estejam acima de qualquer
coisa. Com as concessões e privatizações, o lucro das empresas está em primeiro
lugar. Por isso, a energia elétrica no Brasil é a mais cara do mundo. Os
pedágios, a internet e os celulares são os mais caros do mundo. Isso aqui virou
um paraíso para o capital internacional, como diria o saudoso Brizola.
– Na sua opinião, por que o assunto reforma agrária esteve ausente da pauta das manifestações populares ocorridas em junho do ano passado?
– Na sua opinião, por que o assunto reforma agrária esteve ausente da pauta das manifestações populares ocorridas em junho do ano passado?
– O que tivemos em junho e
julho foram mobilizações da juventude urbana pedindo mudanças. E se mobilizou
como indignação e protesto. Não por um programa de mudanças. Quem pode se
mobilizar com programa de mudanças são os setores organizados da classe
trabalhadora, que ainda infelizmente estão meio parados. Porém, as mobilizações
da juventude são importantes e necessárias, pois são uma espécie de termômetro
da saúde da sociedade. A juventude é a primeira que sente a febre e vai para a
rua. Depois virão a classe trabalhadora e os demais setores. É urgente
construirmos um programa de mudanças articulado pelos movimentos populares e
partidos de esquerda.
– Um dos assuntos mais criticados pelos manifestantes foram os gastos com a Copa do Mundo. Qual é a sua opinião sobre esse tema?
– Um dos assuntos mais criticados pelos manifestantes foram os gastos com a Copa do Mundo. Qual é a sua opinião sobre esse tema?
– O governo gastou,
através de diversas formas, ao redor de R$ 8 bilhões. A imprensa burguesa,
porta-voz da oposição partidária, fez disso uma bandeira para tentar desgastar
o governo. Mas, cá entre nós, esse volume representa apenas duas semanas dos
juros pagos pelo Tesouro Nacional aos bancos. E ninguém diz nada. Claro que
poderiam ser aplicados melhor, em educação e hospital. Nosso inimigo principal
não são os estádios e a Copa, que vai passar logo. Nosso inimigo são os bancos,
o capital financeiro. E sobre eles a imprensa não diz nada. O próprio (Joseph)
Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, defendeu que a única saída para salvar o
capitalismo, se se quisesse, seria estatizar os bancos.
– A ideia de se realizar reforma
agrária no Brasil, proposta pelo então presidente João Goulart (Jango), foi um
fator determinante para o golpe de 1964. No Chile, da mesma forma, com Salvador
Allende. Por que esse tema é um tabu?
– Porque a base do poder
político em todos os países periféricos e subalternos ainda está no poder
econômico da propriedade da terra. Todos os países hoje industrializados
fizeram reforma agrária para democratizar a terra e gerar um amplo mercado
interno. Mas aqui a burguesia prefere vender pouco e ganhar muito, em vez de
vender muito e ganhar mais. Por isso temos uma sociedade, a cada dia, cada vez
mais desigual. O Brasil é um dos países de maior desigualdade social do mundo.
E um dia isso vai estourar.
– O MST ficou submisso aos
governos do PT, como criticam alguns?
– O MST adota como um
princípio a autonomia em relação aos governos, Estado, partidos e igrejas.
Aplicamos isso durante todos os 30 anos de existência. E fazemos isso também
com os governos Lula-Dilma. Nossa prática de movimento social é pressionar e
negociar. Pau e prosa. No ano passado, ocupamos os ministérios de Minas e
Energia, da Fazenda, da Agricultura, nenhum outro movimento social fez isso, e
não consta que o governo federal tenha gostado.
– Como o senhor acompanhou, em 2011, a mobilização de um grupo de mais de 50 integrantes que deixaram o MST por acharem que a direção do movimento estava submissa ao governo?
– Como o senhor acompanhou, em 2011, a mobilização de um grupo de mais de 50 integrantes que deixaram o MST por acharem que a direção do movimento estava submissa ao governo?
– Do MST, eram apenas 17,
os demais eram de outros movimentos. A crítica do documento deles é ideológica
e se referia a todos os movimentos populares e partidos. Infelizmente, não
entenderam que em um movimento de massa cabem todas as opiniões. Não me consta
que sua saída e seu agrupamento representou algum avanço para a classe
trabalhadora ou alguma ameaça aos governos e à burguesia. Faz parte da vida, e
todo mundo tem a liberdade de defender suas ideias.
João Pedro Stedile é, nas últimas décadas, a maior liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Um dos fundadores do MST, o ativista brasileiro também integra a Via Campesina. É graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México. Filho de pequenos agricultores da província italiana de Trento, nasceu em 1953 na cidade gaúcha de Lagoa Vermelha. Marxista de formação, Stedile, desde 1979, participa das atividades de luta pela reforma agrária no País. Atuou como membro da Comissão de Produtores de Uva, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, na região de Bento Gonçalves. Já assessorou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Rio Grande do Sul e em âmbito nacional, além de ter trabalhado na Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul. Por indicação do então deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ), recebeu a medalha Mérito Legislativo, concedida a personalidades brasileiras ou estrangeiras que realizaram ou realizam serviço de relevância para a sociedade.
João Pedro Stedile é, nas últimas décadas, a maior liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Um dos fundadores do MST, o ativista brasileiro também integra a Via Campesina. É graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México. Filho de pequenos agricultores da província italiana de Trento, nasceu em 1953 na cidade gaúcha de Lagoa Vermelha. Marxista de formação, Stedile, desde 1979, participa das atividades de luta pela reforma agrária no País. Atuou como membro da Comissão de Produtores de Uva, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, na região de Bento Gonçalves. Já assessorou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Rio Grande do Sul e em âmbito nacional, além de ter trabalhado na Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul. Por indicação do então deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ), recebeu a medalha Mérito Legislativo, concedida a personalidades brasileiras ou estrangeiras que realizaram ou realizam serviço de relevância para a sociedade.
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